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Nos últimos três anos, a pandemia do novo coronavírus colocou a saúde em evidência no mundo todo. Passado o período de turbulência, em um cenário pós-pandêmico, a Covid-19 sai dos holofotes no cenário corporativo e o que se destaca é o cuidado com a saúde mental dos profissionais.
Segundo a pesquisa da Paychex, com diretores e funcionários de empresas americanas, 51% dos colaboradores relataram piora na saúde mental no trabalho, desde a pandemia. Eles apontaram problemas como:
- depressão;
- falta de motivação;
- foco reduzido;
- insônia; e
- diminuição do trabalho em equipe.
O aumento nos transtornos ansiosos e depressivos é uma tendência mundial nos últimos anos. Dados do Datasus anteriores à pandemia já apontavam episódios depressivos como a principal causa de pagamento de auxílio-doença não relacionados a acidentes de trabalho, correspondendo a 30,67% do total, seguidos de outros transtornos ansiosos (17,9%).
Mas os números são mais alarmantes após a crise sanitária. A prevalência global de ansiedade e depressão aumentou cerca de 25%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2020, a entidade já alertava para a necessidade de manutenção dos serviços de assistência à saúde mental e extensão dos atendimentos. Os reflexos todos apontam para um aumento deste percentual após a pandemia.
Estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos devido à depressão e à ansiedade, com custo à economia global de quase um trilhão de dólares. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT/ONU) afirma que, ao contrário do que muitos imaginam, o impacto da saúde mental sobre o trabalho é tão relevante nos países de baixa renda quanto nas maiores economias mundiais.
Novo olhar
Mas se tem algo positivo que pandemia trouxe, segundo a psicóloga organizacional e do Trabalho Ana Cristina Limongi-França, coordenadora do Núcleo de Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), foi que desde que a crise sanitária começou as empresas e colaboradores passaram a olhar de outra maneira para a saúde mental e o bem-estar.
“As questões de depressão, síndrome do pânico, ansiedade e dificuldades de relacionamento aumentaram muito e as pessoas ficaram assustadas com a pandemia, deixando as questões de saúde mental em evidência. E a primeira mudança foi que as organizações colocaram a doença mental em um âmbito estratégico, com a ação proativa de especialistas para garantir a segurança psicológica dos colaboradores”, explica Ana Cristina.
Além da oferta do plano de saúde para o atendimento com psiquiatras e psicólogos clínicos, e da campanha Janeiro Branco, que chama a atenção para discutir a relevância da saúde mental e do cuidado com as emoções, a conselheira da ABQV revela que as organizações investiram:
- na contratação de empresas especialistas em serviços de psicoterapia on-line;
- programas de apoio, realização de palestra e rodas de conversas, como ação preventiva e pós-afastamentos e internação;
- programas para promover bons hábitos alimentares;
- atividade física;
- ações culturais e de artes;
- uso de aplicativos e práticas de mindfulness;
- terapia ocupacional;
- investimento em ergonomia; e
- ​mudança dos desenhos dos ambientes corporativos devido aos novos modelos de trabalho (híbrido e remoto), para que o trabalhador possa estar mais com a família e seus animais de estimação.
Tudo isso é válido, mas ainda não é suficiente, porque um programa integral não deve ser feito de ações isoladas, mas de um trabalho contínuo, e as empresas precisam pensar: como ajudar as pessoas que estão saudáveis a continuar funcionais e a lidar com os desafios do cotidiano? Como fornecer suporte para a intervenção precoce quando surgem determinados sintomas ou problemas?
“Deve-se pensar em todas essas possibilidades, desde o indivíduo saudável até o que adoece. Isso exige uma mudança de cultura organizacional com valores voltados ao psicossocial e à qualidade de vida. Não adianta só apontar que há problemas de saúde mental, é preciso conectar essa realidade com o que é feito dentro das organizações”, aponta Ana Cristina.
Leia mais: As empresas estão realmente comprometidas com a saúde mental de seus colaboradores?
Janeiro Branco
Este ano, foi realizada a 10ª campanha do Janeiro Branco – maior movimento social de sensibilização à cultura de cuidados com a saúde mental –, que teve como tema “A vida pede equilíbrio”.
Ana Cristina reforça que o equilíbrio é sustentado pelo conhecimento, com responsabilidade pessoal e social.
“O equilíbrio deve ser dinâmico, não pode ser estático. Empresas e colaboradores devem estar em parceria com a responsabilidade pelo ser humano. É preciso estar atento às necessidades relacionadas à saúde mental, ao respeito e à condição psicológica de cada um”, afirma a especialista.
Burnout
O tema é importante porque o burnout (estado de esgotamento físico e emocional que pode afetar os trabalhadores) continua em pauta.
Reconhecido pela OMS, desde o início de 2022, como uma síndrome ocupacional, o burnout é uma evidência de que o equilíbrio da relação de trabalho se perdeu. Trata-se de uma tendência mundial, segundo apontamento da pesquisa da Betterfly de 2022, que ouviu 4 mil trabalhadores da América Latina (incluindo o Brasil) e da Espanha. O resultado mostrou um número expressivo de profissionais à beira do burnout: 54% dos trabalhadores relataram sentir exaustão e outros 50% afirmaram sobrecarga de trabalho.
“Os sintomas desse esgotamento físico e mental são resultantes de desgastes por conta da competitividade, excesso de responsabilidade e de trabalho, o que leva a uma sensação de não dar conta, e traz impactos no sono, na atenção, causa ansiedade e outros sintomas”, esclarece a psicóloga Fátima Cristina Macedo, do Conselho Fiscal da ABQV.
Ela destaca que as dicas de prevenção não podem se referir apenas ao indivíduo, mas principalmente deve abordar os fatores psicossociais associados ao trabalho.
“É um desafios para as empresas, papel da área de Recursos Humanos dar suporte às liderança para cuidarem de si e de suas equipes de forma que todos alcancem os objetivos da organização, com equilíbrio e sem risco de adoecimento”, explica Fátima, lembrando que o autoconhecimento e o estilo de vida saudável podem ajudar no ganho em qualidade de vida e, consequentemente, na melhoria nas relações de trabalho.
Autoconhecimento
De fato, o autoconhecimento, segundo a psicóloga Ana Carolina Peuker, diretora de Mercado e Expansão da ABQV, é decisivo para o desenvolvimento pessoal e profissional, afinal se conhecer é muito relevante para compreender suas dificuldades e potencialidades e ajuda a aprimorar os aspectos que precisam ser melhores desenvolvidos para que os resultados sejam efetivos e possam tomar as melhores decisões.
“É muito importante tomar cuidado com aquelas expectativas irrealistas a respeito de si mesmo e com a cobrança exagerada. Também é importante definir seus próprios limites, reconhecê-los e saber dizer não sempre que necessário. E busque auxilio de profissionais especializados da área de saúde mental. Fazer terapia não é sinal de fraqueza, e sim uma prática necessária de autocuidado”, conclui Ana Carolina.