
De que forma a produtividade tóxica é capaz de afetar o bem-estar como um todo
24 de setembro de 2025A capacidade de realizar múltiplas tarefas frequentemente é vista como uma característica positiva em postos de trabalho de diversas áreas. Assim, seria benéfico ter um cérebro multitarefa capaz de responder e-mails enquanto participa de reuniões ou alternar entre projetos diferentes ao longo do expediente.
No entanto, o que parece ser um sinal de alta performance pode, na verdade, estar prejudicando significativamente a produtividade e até mesmo a saúde mental dos colaboradores.
Portanto, compreender os limites e as reais capacidades cognitivas de cada indivíduo é fundamental para construir ambientes de trabalho mais saudáveis e verdadeiramente eficientes.
Por que se fala tanto em ser multitarefa?
Em um cenário marcado por prazos apertados, demandas crescentes e competitividade acirrada, a ideia de conseguir fazer mais em menos tempo tornou-se não apenas desejável, mas frequentemente cobrada. Ou seja, não raro ser multitarefa (ou multitasking, no termo em inglês) é visto como um diferencial.
Tal percepção se intensificou com a digitalização do trabalho e a proliferação de ferramentas que permitem acesso simultâneo a diversos recursos profissionais. Mensagens instantâneas, videoconferências, e-mails e sistemas de gestão disputam constantemente a atenção dos profissionais, inclusive fora do escritório.
Além disso, muitos espaços cultivam a crença de que profissionais multitarefa são mais competentes, dedicados e produtivos. Essa noção, amplamente difundida, contribui para que colaboradores se sintam pressionados a demonstrar a “habilidade”, mesmo quando isso compromete seu bem-estar e até mesmo a qualidade do trabalho entregue.
Nosso cérebro é multitarefa?
A resposta direta é: na maioria das vezes, não. Várias evidências mostram que há um custo para o cérebro humano sempre que é necessário executar múltiplas tarefas com atenção simultânea.
Na prática, em vez de um foco dividido, a mente está a todo momento realizando, na verdade, uma alternância rápida entre atividades. Esse processo é conhecido como troca de tarefas (ou task-switching, em inglês).
Ou seja, quando tentamos fazer duas coisas ao mesmo tempo, o cérebro precisa interromper uma atividade, redirecionar o foco para outra e depois retornar à primeira. Esse processo, embora pareça instantâneo, consome tempo e recursos cognitivos preciosos.
Basta pensar num cenário simples: você está lendo este texto, mas na aba ao lado uma notificação surge. Fica difícil manter a concentração e é bem provável que se interrompa a leitura para checar a nova informação.
Nesse meio tempo, o contato com o texto pode ser retomado, mas demora para que o foco previamente estabelecido seja encontrado. Com isso, informações importantes podem ser ignoradas e a capacidade de reter o conteúdo provavelmente vai cair.
Em outras palavras, isso significa que cada mudança de foco, salvo raras exceções, exige que o cérebro se reoriente, recupere informações relevantes e se ajuste ao novo contexto, gerando um custo mental significativo.
Quais os prejuízos de se dedicar a mais de uma tarefa ao mesmo tempo?
Um artigo publicado em 2016 no periódico NeuroImage mostrou que adultos e adolescentes em contato com múltiplos canais digitais ao mesmo tempo, tinham maior índice de distração. E mesmo nos cenários em que eles não precisavam focar em várias atividades ao mesmo tempo, a capacidade de atenção era menor.
A qualidade do trabalho entregue também é afetada. Com a atenção dividida, aumentam as chances de erros, comprometendo os resultados finais, uma vez que essas habilidades frequentemente dependem de concentração sustentada.
No âmbito da saúde mental, os reflexos são igualmente relevantes. A sobrecarga cognitiva constante eleva os níveis de estresse, aumenta a fadiga mental e pode contribuir para o esgotamento profissional, sobretudo pela sensação de que nunca se está fazendo o suficiente para dar conta das demandas.
A memória também sofre impactos significativos. Quando o cérebro está constantemente alternando entre tarefas, a consolidação de informações na memória de longo prazo fica comprometida, dificultando o aprendizado e a retenção de conhecimento.
Por fim, há o custo temporal invisível. O que aparentemente economiza tempo, na verdade, o desperdiça, já que cada transição entre tarefas exige períodos de retomada que se acumulam ao longo do dia, reduzindo drasticamente a produtividade real.
Outra publicação, dessa vez na revista Computers in Human Behavior, mostrou que estudantes universitários multitarefas não só tinham menores notas, como passavam mais tempo estudando. Ou seja: a eficiência do período dedicado era menor.
Que cuidados devem ser tomados para evitar a sobrecarga física e mental?
Combater a multitarefa desnecessária exige mudanças tanto individuais quanto organizacionais. As empresas precisam reconhecer que a produtividade genuína está associada ao foco, criando condições para isso. Entre alguns dos passos iniciais estão:
- estabelecer blocos de tempo dedicados para tarefas específicas, minimizando interrupções, o que facilita a concentração e aumenta o nível das entregas;
- limitar o acesso a distrações digitais durante períodos de trabalho focado, desativando notificações não urgentes, estabelecendo horários específicos para checar e-mails e mensagens e até mesmo utilizando ferramentas que bloqueiam sites e aplicativos;
- priorizar tarefas de forma clara para identificar o que realmente importa e dedicar energia às atividades de maior impacto;
- promover pausas regulares ao longo do expediente para aliviar a fadiga mental, contribuindo significativamente para a manutenção da capacidade de concentração;
- capacitar lideranças e conscientizar sobre os impactos do multitarefa, reforçando a compreensão de que, quase sempre, qualidade supera quantidade;
- respeitar os limites de cada pessoa, entendendo que a capacidade de concentração varia entre indivíduos e ao longo do dia. Assim, a flexibilidade na organização do trabalho permite que cada colaborador encontre seu ritmo ideal.
Em resumo, abandonar a ilusão do cérebro multitarefa e abraçar o trabalho focado não apenas aumenta a produtividade real, como protege a saúde dos colaboradores. A construção de uma cultura organizacional que valorize a atenção plena é, portanto, um investimento tanto em resultados quanto em bem-estar.
Entenda agora como a produtividade tóxica pode ser outra armadilha para a qualidade de vida no trabalho.
Referências
Cérebro multitarefa: sinal de produtividade ou sobrecarga?
How Multitasking Drains Your Brain
https://thereader.mitpress.mit.edu/how-multitasking-drains-your-brain
How Multitasking Affects Productivity and Brain Health
https://www.verywellmind.com/multitasking-2795003
Make it our time: In class multitaskers have lower academic performance
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0747563215004677?via%3Dihub
Media multitasking is associated with distractibility and increased prefrontal activity in adolescents and young adults
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1053811916300441?via%3Dihub
Multitasking and How It Affects Your Brain Health
https://www.brownhealth.org/be-well/multitasking-and-how-it-affects-your-brain-health
Multitasking: Switching costs